1

Atuando à revelia dos dons

“Entretanto, busquem com zelo os melhores dons.” 1Co 12:31

Um quadro delicado que frequentemente se observa em algumas igrejas é quando alguém está tentando atuar em um ministério para o qual não foi dotado, portanto chamado, pelo Espírito.

Há membros que simplesmente simpatizam com algumas áreas de atuação, a exemplo do ministério da música, e decidem atuar naquele ministério sem atentar para o fato de que não foi munido com as ferramentas necessárias para tal função.

Quanto sofrimento tem sido imposto à igreja quando isso acontece! Existem aqueles que “querem” ser líderes. Gostam de exercer autoridade e estar à frente dos projetos e eventos. O tempo revela que não foram munidos com a devida capacitação para serem líderes e, frequentemente, muitos destes persistem por toda a vida sem se dar conta de quais dons, realmente, receberam do Espírito Santo, muito menos se liderança está entre eles. Ainda há aqueles que “decidem” ser pregadores. Acham bonito o ministrar a Palavra de púlpito, ouviram eloquentes pregadores e assimilaram um estilo. Até participaram de um “curso intensivo” de oratória sacra…

Este drama pode ser representado com o quadro fictício de um canteiro de obras onde alguns trabalhadores com um martelo na mão, estão batendo na cabeça de parafusos. Ora, para trabalhar com um parafuso você não precisa de um martelo, e sim de uma chave de fenda, mas tem gente que recebeu de Deus um martelo e, em vez de procurar um prego para golpeá-lo, trabalha desferindo golpes em parafusos.

Quando cristãos não atuam em harmonia com seus dons espirituais a igreja e eles mesmos sofrem prejuízos. Essa desarmonia tem um alto preço para todos os envolvidos e esses prejuízos se revelam de várias formas:

(1) Ele está fazendo a obra errada. Sua performance nunca será a mesma que seria se ele estivesse atuando na área para a qual foi dotado e chamado pelo Espírito. Ele sempre terá um grau de frustração para amargar e nunca se sentirá plenamente satisfeito ou realizado com seu trabalho enquanto estiver atuando em desacordo com seus dons espirituais.

(2) Quando um cristão atua em desarmonia com seus dons espirituais ele ocupa o lugar de outra pessoa, de alguém que deveria estar ali onde ele, equivocadamente está. Isso porque, naquele posto de serviço, trabalhando com o parafuso, quem deveria estar não é o membro munido com o martelo, mas o outro que foi dotado com uma chave de fenda como ferramenta de trabalho. Assim, um está sendo prejudicado porque outro está atuando no lugar errado e impedindo-o de estar ali.

(3) Um dom está inativo e dom inativo tem um alto potencial de ser extinto. O verdadeiro dom daquele que atua em um ministério equivocado permanece inativo por todo o tempo em que ele insistir em atuar sem considerar a capacitação do Espírito mediante seus verdadeiros dons espirituais. Com o tempo pode haver uma perda irreparável do ponto de vista operacional e do propósito de Deus para com determinada pessoa. Esse seria um alto preço a pagar pela falta de atenção ao importante tema dos dons espirituais.

(4) Outro fator na esteira de prejuízos por conta da desatenção à questão dos dons espirituais é que nesta condição, um ministério não está sendo realizado. Enquanto alguém dedica tempo em executar uma tarefa diferente daquela para a qual foi capacitada pelo Espírito mediante a ministração de um dom espiritual, a verdadeira tarefa para a qual foi capacitado está por fazer. O prego no qual este membro deveria estar desferindo golpes certeiros está lá, parado, intacto e sem utilidade esperando o trabalho adequado do martelo para torná-lo útil.

(5) O propósito bíblico para os dons espirituais é frustrado, sempre que algum membro estiver “batendo com um martelo na cabeça de um parafuso”. Não acontecerá o “aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço” nem a “edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:12). Nenhum desses aspectos podem se concretizar na experiência de um membro que, portando um martelo, segue batendo na cabeça de parafusos. Ele não se aperfeiçoa porque quem está com um martelo na mão não aperfeiçoa seu serviço batendo na cabeça de parafusos – a menos que se considere o aperfeiçoamento no erro, mas esse não é o plano de Deus para ninguém. Também não está desempenhando um ministério, simplesmente porque não existe esse ministério de “bater em parafusos com martelos nas mãos”. Essa bem pode ser chamada de “uma obra estranha”. O corpo de Cristo também não está sendo edificado pois aquele cenário é mais de demolição do que de edificação. O martelo está sendo machucado ao desferir golpes desnecessários, o parafuso está sendo ferido ao receber os violentos golpes do martelo, a madeira está sendo agredida ao receber o parafuso aos socos e não no movimento rotativo apropriado e logo aquela peça de madeira não terá mais utilidade. Outro desgaste recairá sobre as mãos do obreiro. Sempre que ele fizer um serviço sem observar a ferramenta que portar, sofrerá mais.

(6) A igreja da qual faz parte o membro que atua em desacordo com seus dons, está acumulando prejuízos, perdas irreparáveis e não pode se organizar completamente baseada em ministérios orientados pelos dons espirituais enquanto o dado membro não se adequar a este modelo bíblico de ministério.

(7) O Espírito Santo (e, por extensão, toda a divindade), soberano doador dos dons espirituais, não estará sendo glorificado plenamente numa vida ou numa igreja na qual o Seu plano de distribuir dons (1Co 12:6-11, 24, 28) para suscitar ministérios correlacionados, não esteja sendo respeitado ou observado. Este indivíduo ou igreja não contará com a plena realização de seus esforços por não estar trabalhando segundo o plano de Deus mediante a distribuição dos dons.

O preocupante cenário atual

Lamentavelmente pode-se afirmar com relativa precisão que na maioria das igrejas cristãs existem muitos membros dedicados aplicando todo o seu tempo e energia a uma tarefa dissociada de seus dons espirituais. Quantos irmãos estão desmotivados porque não são valorizados na área de suas habilidades, mas estão sendo questionados por não serem fortes naquilo para o que Deus não os preparou!¹

Mesmo assim, o Senhor tem coroado de relativo êxito esforços sinceros e dedicados de pessoas com martelo nas mãos batendo na cabeça de parafusos. Mas quanto mais poderia ser realizado se todos trabalhassem em plena harmonia com o verdadeiro plano de Deus para igrejas e membros. O fato é que as pessoas que atuam sem observar seus dons espirituais o fazem por três principais motivos: ignorância, insistência e comissão.

Ignorância voluntária

Muitas pessoas atuam em dissonância com seus dons espirituais por ignorância, por não conhecerem a orientação revelada acerca do tema, o que não os isenta de responsabilidade, pois a revelação bíblica é vasta e clara. A ignorância acerca dos dons espirituais pode ser uma das principais causas do retardo no crescimento da igreja hoje em dia. Nisso também pode achar-se a raiz de grande parte do desencorajamento, insegurança, frustração e senso de culpa que infelicita a muitos crentes e que obstrui sua eficácia plena no serviço de Deus.²

A advertência do apóstolo Paulo é enfática: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12:1). Embora a responsabilidade seja individual, cabe também à liderança da igreja apresentar o tema aos membros com a ênfase que encontramos nas Escrituras e, a1o que tudo indica, não está acontecendo assim.

Talvez estejamos cometendo uma injustiça ao esperar e até cobrar dos membros um desempenho que eles só poderiam ter se um consistente programa de ministérios orientados pelos dons fosse implantado na igreja. Assim, só seria correto nutrir a expectativa que temos com respeito ao desempenho dos membros da igreja se os dirigíssemos para conhecerem seus dons e ministrarem em harmonia com eles.

Insistência funcional

Aqueles que assumem ministérios aleatoriamente aos seus dons, por insistência, são os que elegem os sentimentos e as preferências pessoais em detrimento da orientação revelada sobre OS ministérios baseados nos dons espirituais. São os que conhecem algo acerca dos dons, mas preferem ignorar o assunto e se “dedicar” aos ministérios de sua preferência olvidando a soberania do Espírito.

Este estado de coisas promoverá mais alienação do plano de Deus para as pessoas que compõem a equipe ministerial da igreja e os resultados a médio e longo prazos comprovarão que grandes perdas serão acumuladas não só no aspecto qualitativo, mas no quantitativo. Insistir numa função por qualquer motivo em detrimento da capacitação mediante os dons espirituais sempre será uma escolha arriscada para todos os envolvidos.

Comissionamento aleatório

Alguns que lidam com os ministérios da igreja sem observar seus dons espirituais justificam essa atitude no comissionamento por parte da igreja: líderes ou comissão. Feito de forma aleatória aos dons dos membros, o comissionamento ou chamado para o exercício de funções relacionadas com a igreja, a longo prazo, comprovará que será sempre melhor se colocar em harmonia com o projeto de Deus, o qual contempla ministérios baseados nos dons espirituais.

Rick Warren afirma:

“Talentos escondidos na multidão se perdem, e desvanecem com o tempo. Estamos enterrando pessoas talentosas por não lhes oferecer uma estrutura que favoreça o florescimento de seus dons espirituais ao mesmo tempo em que a igreja padece pela necessidade de que estes mesmos dons estejam atuantes em seu meio”.

A responsabilidade da liderança

Esse quadro só vai mudar quando membros, líderes locais e pastores derem o adequado enfoque aos ministérios de todos os cristãos orientados segundo os dons espirituais. Essa é a proposta para a igreja trabalhar de forma ainda mais adequada aos projetos de Deus.

Além disso, os ministérios orientados segundo os dons sempre estarão em harmonia com as demais estruturas existentes na igreja como pequenos grupos, ministério pessoal, evangelismo integrado, evangelismo público, classes bíblicas, oração intercessória, evangelismo pessoal, entre outros. Ao contrário de haver algum confronto, tais ministérios reforçarão todas estas estruturas e estratégias de mobilização da igreja.

O ponto inicial

Como membros precisamos entender a dinâmica dos dons espirituais, identificar os nossos próprios dons nossas ferramentas para o ministério e nos colocar no lugar em que Deus espera que estejamos para fazermos a obra para a qual Ele nos chamou. As pessoas estarão mais motivadas, engajadas e felizes porque na medida em que usarem adequadamente seus dons produzirão mais, obtendo resultados mais expressivos em todos os ministérios que atuarem e verão mais pessoas se envolvendo enquanto a igreja avança em sua missão de evangelizar o mundo ao seu redor.

Significativas conquistas têm sido alcançadas, ano a ano, mediante esforços sinceros, organizados e dedicados de obreiros assalariados e ministros voluntários. O propósito deste material é oferecer uma alternativa a mais para que, somada aos esforços que já estão sendo feitos, igrejas e membros possam experimentar a explosão dos ministérios baseados nos dons espirituais e o máximo do seu potencial possa ser explorado em benefício dos interesses do reino de Deus.

Em relação aos líderes, espera-se que trabalhem no sentido de “liberar os membros para que atuem em harmonia com seus dons espirituais”. O desafio é encontrar o caminho para mobilizar a grande parte dos membros da igreja em ministérios efetivos baseados nos dons espirituais de cada um. Esse apoio pode ser dado ao desencadearem variados esforços no sentido de adequar as igrejas para que ofereçam ambiente e estímulo a fim de que os membros conheçam o que está revelado acerca dos dons e tenham espaço para pô-los em prática em equipes de ministérios.

Assim, constatarão que uma das grandes alegrias de todos os cristãos é a certeza de estar fazendo a obra de Deus do jeito que Ele quer; de estar em harmonia com os propósitos de Deus para sua vida.

O comentário de Christian Schwarz toca num aspecto muito delicado que pode estar prejudicando algumas igrejas:

“Quem trabalha de acordo com o modelo tecnocrático tem a tendência de inventar os ministérios que cada cristão deveria assumir para depois sair à procura dos “voluntários” para a realização das tarefas. Se não se acham os voluntários, usa-se pressão para consegui-los.”³23

 

Quando os ministérios múltiplos explodirem nas igrejas com base nos dons espirituais elas estarão muito mais motivadas e mobilizadas para executar sua tarefa princ4ipal: expandir o reino de Deus alcança5ndo os não alcançados pelo evangelho da salvação preparando o mundo para receber o Senhor Jesus vindo em glória.

Finalmente

Todos aqueles que tiveram uma experiência espiritual de encontro com Cristo e nEle colocaram sua confiança como seu Salvador pessoal, foram dotados com algum dom espiritual (Ef 4:7). Ninguém foi deixado de fora dessa contemplação. Uma significativa marca do encontro com Cristo é a dotação de um ou mais dons espirituais na vida do crente. Pessoa alguma pode dizer que não foi lembrada pelo Espírito Santo na distribuição dos dons. Todos foram incluídos no plano de Deus de dotar os crentes para o serviço.

Assim, o sentimento de inutilidade não cabe na vida do cristão, pois é um erro pensar que não temos um lugar para atuar no corpo de Cristo; que não há um ministério para desempenharmos na obra de Deus, que fomos chamados apenas para observar o ministério dos outros e os admirar.

Cada um dos servos de Cristo tem ao menos um dom para transformar em ministério, uma tarefa a desempenhar e, nesse sentido é que os membros do corpo de Cristo experimentam a interdependência, que estabelece que ninguém tem todos os dons assim como ninguém ficou sem, ao menos, um dom. Pessoa alguma, sozinha pode realizar todas as tarefas requeridas pela grande Obra de Deus na Terra e, ao mesmo tempo, cristão nenhum está excluído do processo. Todos têm uma contribuição a dar. Isso estabelece uma relação de interdependência orgânica em que todos têm um papel a desempenhar no corpo de Cristo em parceria com os demais membros desse corpo.

Os dons espirituais são ferramentas com as quais o Espírito Santo mune a igreja, através de cada um de seus membros, para o cumprimento da missão corporativa: a Grande comissão. No momento em que os membros da igreja experimentam o discipulado de Cristo eles também assumem a missão de Cristo.

Uma ênfase adequada na importância da descoberta dos dons espirituais e sua aplicação na vida dos cristãos, através dos variados ministérios, desencadeará um movimento dinâmico de envolvimento e compromisso com a missão da igreja. Uma igreja organizada em ministérios orientados segundo os dons espirituais ajudará seus membros a compreenderem que o ponto de equilíbrio no convívio de uma comunidade cristã é a interdependência orgânica. A compreensão desta relação atrai a todos como uma força poderosa para o ponto que estabelece o equilíbrio necessário nas relações funcionais e afetivas dentro da igreja de Cristo.

Em igrejas onde os membros são estimulados a conhecer seus dons espirituais e encontram ambiente favorável à aplicação e ao desenvolvimento desses dons, a diversidade de ministérios em funcionamento é maior e muitas áreas de atuação da igreja são atendidas. Cresce o nível de envolvimento dos membros e há uma constatação geral: todos foram chamados pelo Espírito Santo para desempenhar um ministério no corpo de Cristo.

Quando o cristão conhece seus dons e os aplica efetiva, organizada e sistematicamente num ministério, ele experimenta um processo de aperfeiçoamento enquanto edifica a igreja, glorifica o nome de Deus e auxilia outras pessoas. Essa experiência é a própria maturidade espiritual que o apóstolo Paulo descreveu no capítulo quatro de sua carta aos Efésios: “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13).

Quais as ferramentas que Deus colocou em suas mãos? Descubra-as, trabalhe com elas, encontre seus dons, suas ferramentas de trabalho e engaje-se nesta grande obra em sintonia com a vontade de Deus e em harmonia com os equipamentos (dons) que o Espírito o muniu. Participe da construção do maior empreendimento em que o ser humano pode estar envolvido, a salvação de pessoas e o estabelecimento de um reino que jamais terá fim. Experimente um ministério dedicado e eficaz em favor dos perdidos a quem o Senhor nos comissionou a buscar, bem como da igreja, a qual Ele nos encarregou de edificar.

“Ao verem o coração dos pastores ardendo de zelo e amor à verdade, e do desejo de salvar almas, as igrejas se despertarão. Estas geralmente têm dentro de si mesmas os dons e o poder para abençoar e fortalecer a si próprias, e reunir no aprisco as ovelhas e os cordeiros. Precisam ficar na dependência de seus próprios recursos para que todos os dons que jazem latentes sejam assim postos em serviço ativo.”⁴

Riqueza e diversidade de dons precisam ser compreendidas como um tesouro concedido pela onipotência de Deus para munir a igreja de recursos e ferramentas capazes de torná-la apta para cumprir sua missão na terra. Mas, enquanto estas ferramentas não forem identificadas e utilizadas conforme o propósito de Deus, um considerável prejuízo será sentido no desempenho e na eficácia do corpo de Cristo em relação às suas tarefas.

Enquanto for mantido um modelo, em relação aos dons, marcado por ignorância voluntária, nomeação aleatória e distribuição de funções alheias à capacitação que o Espírito Santo prodigalizou para a igreja, não conseguiremos ser, como membros ou como corpo, tudo aquilo que Deus espera que sejamos.

Pastores e demais líderes, bem como cada membro da igreja, podem fazer uma parte importante nessa busca pelo cumprimento do plano de Deus para a Sua igreja neste início de século. É importante que cada um faça a sua parte, por ela ser singular e relevante dentro do processo de buscar a unidade da igreja pela qual Cristo orou.

 

Referências

  1. Isabel e Daniel Rode, Crescimento: Chaves Para Revolucionar Sua Igreja (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007), 22.

  2. Peter Wagner, Descubra Seus Dons Espirituais (São Paulo, SP: Abba Press, 2004), 32.

  3. Christian A. Schwarz, O Desenvolvimento Natural da Igreja (Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 1998), 25.

  4. Ellen G. White, Vida e Ensino (Tatuí SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), 213.

 

# Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
X - Twitter
LinkedIn
Threads
E-mail