Tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada… Rm 12:6
As Escrituras enfatizam que enquanto alienado de Deus O homem está perdido (Sl 58:3; 119:176; Pv 21:16; 27:8; Jr 2:5; Mt 15:8; Rm 8:7; Ef 2:12; 4:18;1Pe 2:25; 2Pe 2:15). Nessa condição, sua trajetória o leva em uma direção contrária à vontade de Deus para a sua vida, o que se dá até o momento em que o Espírito Santo atua poderosamente e, sensível a Seu toque o homem reage e pára. Este impacto provoca uma mudança de direção, um volver-se do pecado para a vida com Deus. Um novo caminho se abre e a trajetória do pecador não é mais de morte para a morte, mas de vida para a vida. Esse é o fenômeno da conversão, quando reagimos à influência do Espírito Santo em nós.
Embora seja raro o uso deste substantivo (At 15:3) em todas as Escrituras, sua forma verbal aparece com frequência descrevendo a mudança de rumo, status quo ou condição de pessoas e povos (1Rs 8:35, 47, 48; 2Cr 6:24; 7:14; 30:9; Sl 51:13; Is 30:15; Jr 18:8; Ez 33:11; Mt 18:3; At 14:15). Além disso, diversos exemplos de conversão são-nos apresentados através dos séculos, desde a criação, mostrando que como seres caídos em pecado, os homens reagem em resposta à influência do Espírito.
As três etapas do processo da redenção: Justificação (Romanos 3: 21 a 5: 21), Santificação (Romanos 6, 7 e 8) e Glorificação (Romanos 12 a 16) acontecem pela graça e mediante os méritos de Cristo postos em favor dos seres caídos. Essa mesma graça que opera a conversão e justificação como eventos imediatos ao encontro com Cristo também opera a capacitação para libertar o homem da inutilidade quanto aos interesses do reino de Deus.
Justificação pela fé e conversão.
Nenhum homem tem justiça própria que o coloque isento de culpa diante de Deus. Paulo afirma: “Não há um justo sequer” e “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:10, 23). Daí a necessidade da graça que justifica e perdoa. Somente justificados pelo sangue de Jesus temos paz com Deus (Rm 5:1,9) e isso é o resultado da ação graciosa de Deus na vida humana (Rm. 3:24).
“Nada temos, pois, em nós mesmos, de que nos possamos orgulhar. Não temos nenhum motivo para exaltação própria. Nosso único motivo de esperança está na justiça de Cristo a nós imputada, e naquela atuação do Seu Espírito em nós e através de nós”.¹
Não são nossos méritos que garantem nossa justificação diante de Deus, mas os méritos de Cristo que nos são imputados, atribuídos, gratuitamente. Esse foi o principal tema da reforma protestante (1517) implementada principalmente por de Martinho Lutero; além do esforço pelo resgate do sacerdócio de todos os crentes. Posteriormente, provocando grande debate no Concílio de Trento (1545-1563), a justificação pela fé tem sido matéria de inúmeros livros e artigos teológicos, dada à relevância de seu significado para a fé cristã.
Recebida pela fé a justificação do pecador acontece por ocasião do encontro salvífico com Cristo quando o homem em pecado é atraído pelo Espírito Santo e volve-se (conversão) para Aquele que o pode salvar. Ele opera o milagre da justificação imputando Sua justiça em favor do injusto, configurando “a obra de Deus ao lançar a glória do homem por terra, e fazer pelo homem o que não lhe é possível fazer em seu próprio poder”.²
Justificação é o ato de imputação da justiça de Cristo em favor de cada pecador que O recebe como Senhor e Salvador. É a declaração de justo atribuída ao homem, embora não tenha sido tornado justo, que se apropriou de Jesus como seu substituto.
Um aspecto da justificação atribui ao homem arrependido (Rom. 4:4-8) o status de justo embora tenha sido outro, Jesus, o Justo por excelência. É nesse sentido que Ellen White afirma que “se vos entregardes a Ele e O aceitardes como vosso Salvador, sereis, por pecaminosa que tenha sido a vossa vida, considerados justos por Sua causa. O caráter de Cristo substituirá o vosso caráter e sereis aceitos diante de Deus exatamente como se não houvésseis pecado.”³
Citando o Catecismo de Westminister, Pedro Apolinário afirma que justificação “é um ato da livre graça de Deus, mediante a qual Ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos aos seus olhos, baseado somente na retidão de Cristo, a nós imputada, e recebida exclusivamente pela fé.”⁴
Desde a queda, em todos os tempos, a justificação do pecador se fez necessária para livrá-lo da condenação da transgressão e sempre esteve focada nos méritos de Cristo. Portanto, em Jesus Cristo, a graciosa escolha de Deus da raça humana pecadora, proveu a fonte e segurança para justificar o homem por meio da fé no substituto. Consequentemente, desde o inicio a fé no prometido Salvador expressa no derramamento de sangue do sacrifício foi a condição para receber o perdão e justificação à vista de Deus.⁵
Na justificação Deus declara o homem justo (2Co 5:21), e trata-o como tal, libertando-o de todas as conseqüências da culpa pelo pecado que é a transgressão da lei (Rm 4:15; 1Jo 3:4), promovendo harmonia entre as partes, a reconciliação do homem com Deus (Rm 5.1-3) já que na condição de pecador injustificado esta relação estava comprometida. Uma vez justificado pela cobertura do manto de justiça de Cristo o homem pode se apresentar diante de Deus numa relação restaurada, o que a Bíblia chama de reconciliação.
Justificação é a divina atribuição ou imputação da justiça de Cristo, a crédito, perante Deus, do crente arrependido (Rm 4:4-8). Trata-se de uma transação judicial de Cristo como mediador celeste, pela qual somos feitos retos para com Deus e temos acesso ao coração do Pai (Rm 5:1-2) sendo, como resultado imediato que o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi outorgado (Rm 5:5). Desse modo, sem qualquer mérito de nossa parte recebemos o Espírito Santo pela fé em Cristo (Gl 3:2, 5), e pode apropriadamente ser dito que somos justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus (1 Co 6:11)”⁶
Segundo o Dicionário Bíblico Adventista, justificação é “o ato divino pelo qual Deus declara justo um pecador penitente, ou o considera justo. A justificação é o oposto da condenação (Rm 5:16)”. Acrescenta que:
“A justificação não é uma transformação do caráter inerente; não produz justiça, assim como a condenação não produz pecaminosidade. […] A condenação se ganha ou se merece, mas a justificação não pode ser ganha: é um ‘dom’ gratuito ou imerecido. Ao justificar o pecador, Deus o absolve, o declara justo, o considera justo e o trata como uma pessoa justa. A justificação como a declaração correspondente que afirma que existe um estado de justiça. As acusações de maldade são canceladas e o pecador, agora justificado, alcança uma relação correta com Deus (que Paulo descreve como de ‘paz para com Deus’; Rm 5:1)”⁷.
Capacitação.
Outro fenômeno que acontece nesse contexto é o milagre da capacitação. No momento em que homem é atraído pelo Espírito Santo, sua vida muda de direção; acontece a conversão quando ele olha para Cristo e é por Ele justificado. Recebe os méritos da justiça de Cristo em seu favor, e é inserido no corpo de Cristo, a igreja.
Nesse processo inicial que envolve justificação, conversão e reconciliação, também acontece o milagre da capacitação. A nova criatura é capacitada mediante os dons espirituais a uma vida útil e produtiva no corpo de Cristo. Quando Deus vê o homem salvo o vê realizando grandes coisas para Ele em benefício dos interesses de Seu reino e daqueles que ainda precisam conhecer a salvação. E essa realização só acontece pela capacitação do Espírito mediante a concessão dos dons espirituais.
Deus não salva as pessoas para a inutilidade, para serem meros expectadores, pois salvação como providência de Deus, não esta focada somente na vida humana futura, além dos portais da Canaã celestial, ela também tem efeitos na existência e peregrinação aqui e agora. Deus nos salva do nosso pecado para uma futura vida feliz no céu, mas também nos salva de uma delicada situação vivida aqui e agora, nossa condição de inutilidade, de falta de propósito e de irrelevância do ponto de vista dos interesses de Seu reino; e isso Ele faz mediante a capacitação dos dons espirituais.
A graça de Deus opera nossa salvação de forma completa: muda nossa vida, nos justifica, nos converte, nos coloca no caminho ascendente da santificação e nos capacita com dons espirituais para sermos úteis aos propósitos do corpo de Cristo. No Céu, um registro é feito ao lado de cada nome indicando que fomos justificados e então somos inseridos no livro da vida do Cordeiro. Na Terra, outro registro e feito ao ser o nosso nome inserido no livro da igreja.
A capacitação para o céu se inicia mediante o processo da santificação no desenvolvimento do fruto do Espírito, e a capacitação para assumirmos nosso lugar no corpo de Cristo começa com a concessão dos dons do Espírito.
“Nem todos podem ocupar o mesmo cargo, mas para todos há um lugar e um trabalho. Todos sobre quem foram derramadas as bênçãos de Deus, devem corresponder por meio de serviço fiel. Cada dom deve ser empregado para o avançamento do Seu reino.”⁸
Portanto, capacitação é também um milagre da graça de Deus em nosso benefício.
Nossa resposta pessoal
Cada cristão precisa dar a resposta pessoal para a questão relacionada com o plano de Deus para sua vida, e ela é encontrada na identificação e desenvolvimento dos nossos dons espirituais. Eles retratam qual o propósito de Deus para nossa vida porque Deus não nos capacitaria com dons sem que planejasse nossa atuação em áreas relacionadas com eles. Dito de outra forma, Deus não espera nada de nós, em termos de ministério, em áreas para as quais ele não nos capacitou com dons espirituais; e em contra partida, Ele espera o melhor de nós nos ministérios para os quais Ele nos capacitou com dons relacionados.
Quando eu deixo o lugar que deveria ocupar vazio por estar atuando em outro sem conhecer meus dons espirituais, estou ocupando o lugar de outra pessoa e deixando o meu posto de trabalho desguarnecido. Além disso, em outra dimensão, a emocional, esse vazio não fica só por fora, ele invade o meu ser também e faz um grande estrago em minha auto-estima.
Muita gente está sofrendo por causa da falta de sentido para a vida. Falta um senso de pertencer, um senso de utilidade, de relevância, de propósito. Isso tem feito muito mal aos cristãos. A depressão que assola a sociedade em geral e até a igreja, tem nesse problema uma de suas origens. Precisamos saber quão fantástica e gratificante é a vida com propósito, com sentido, com relevância, e isso só será possível se descobrirmos o plano de Deus para cada um de nós revelado na capacitação dos dons espirituais.
A perfeição do plano da redenção se revela quando Deus nos alcança, nos converte nos justifica e nos capacita. Essa capacitação precisa ser visualizada, conhecida e explorada, caso contrário, não desfrutaremos de tudo que Ele tem reservado para nós.
O mundo conhece o programa de computador Word para edição de textos. Alguns acham que ele é um problema e o chamam de wordinário, mas ele tem ajudado muita gente. Acontece que algumas pessoas não dominam o programa e levam muito tempo para descobrir os recursos que ele oferece. Sofrem durante anos sem se beneficiar de tais recursos até que dia a dia, muitas vezes por acaso, descobrem que o programa tinha muito mais recursos para oferecer. Isso acontece porque a maioria dos usuários não se dedica a fazer um curso específico ou buscar informação com pessoas capacitadas no sentido de conhecer todos os recursos do programa. Simplesmente usam o pouco que conhecem e imaginam que é só aquilo mesmo que têm à sua disposição.
Quando não conhecemos acerca da capacitação mediante os dons espirituais, que Deus disponibiliza para todo crente por ocasião de sua conversão, não nos beneficiamos dos recursos que nos são disponibilizados pela graça de Deus. Já é uma grande coisa saber que fomos agraciados com o milagre da conversão e da justificação, que estamos caminhando na santificação, e ainda que na volta de Jesus, seremos glorificados! Mas ainda existem mais recursos para nós. Fomos agraciados também com a capacitação do Espírito para o desempenho de um ministério eficaz, significativo e produtivo, o qual nos fará sentir o sabor da utilidade, dará significado à nossa vida e nos tornará relevantes dentro do grande plano de Deus de redimir o mundo e estabelecer o Seu reino.
O milagre da capacitação que acontece próximo à conversão e justificação é o ato de Deus em nos dotar de dons espirituais, os quais nos habilitam para atuar no corpo de Cristo conforme a soberania e o plano do Espírito Santo para cada um de nós (1 Co 12:11).
Deus tem um plano para sua vida! Que grande verdade! Esse plano só poderá ser conhecido, vivenciado e explorado se você conhecer seus dons espirituais, pois eles são as ferramentas que Deus te disponibilizou mediante Sua graça para que você atue. Infelizmente, muitas pessoas passam anos na igreja e não descobrem qual o plano de Deus para sua vida. Militam em ministérios para os quais não foram chamados e não se realizam como pessoas inseridas no corpo de Cristo; não preenchem o seu vazio, não cumprem o seu propósito traçado por Deus.
Senso de utilidade e realização pessoal é algo que cada um de nós precisa para ter saúde emocional. Precisamos disso pois cada um de nós é um ser biopsicossocioespiritual⁹, e, como tal, não poderemos viver bem enquanto alienados dessa realidade. Muitos estão sucumbindo infelizes por não conseguirem se localizar no corpo de Cristo. Não encontraram ainda seu lugar. Acreditem: esse lugar está marcado e definido de acordo com seus dons espirituais.
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Quando qualquer um de nós opera em um ministério sem saber ao certo se foi pra esse fim que Deus nos chamou, a qualidade de nossa obra fica comprometida, nós mesmos nos fragilizamos e as tempestades das circunstâncias nos fazem sucumbir. Elas nos abalam, sentimos seus efeitos e nos questionamos inseguros: “Será que há mesmo um plano de Deus para minha vida?”.
Por outro lado, quando sabemos quais são nossos dons espirituais, quais são nossos ministérios, que eles foram definidos por Deus e, por mais singelos que sejam, nos colocamos no lugar certo, onde Deus quer que estejamos e atuemos, então encontramos a verdadeira realização. Nesse lugar é onde nos fortalecemos a ponto de resistir às intempéries circunstanciais da vida. Não estamos mais frágeis e inseguros. Não nos questionamos mais com tanta frequência, pois temos ao menos uma certeza: “é aqui mesmo que Deus quer que eu atue, não importa o que aconteça, não vou deixar meu posto de trabalho.”
Assuma seu posto, sua relevância? Cada um de nós precisará tomar esta atitude em algum momento da vida. É importante saber que para vivermos uma experiência relevante precisamos atuar segundo o propósito de Deus para nossa vida, propósito este que está atrelado aos dons espirituais que Ele nos disponibilizou quando nos alcançou com Sua graça ao mesmo tempo redentora e capacitadora.
Essa graça que nos capacita para viver a nova vida em Cristo, também nos capacita para uma nova vida de utilidade e garante que todo chamado tem um elemento capacitador embutido; por que o chamado para a nova vida de utilidade, de significado e de serviço não teria?
Referências
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Ellen G. White, Caminho a Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000), 63.
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Testemunhos para Ministros (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), 456.
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Caminho a Cristo, 62.
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Pedro Apolinário, Estudo de Passagens com Problemas de Interpretação (São Paulo, SP: SALT, 1986), 16.
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Hans K. LaRondelle, 3,4.
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Idem, 56.
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Aldo D. Orego, editor, Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Buenos Aires, Argentina: Associación Casa Editora Sudamericana, 2002), 687.
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Ellen G. White, Testemunhos Seletos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000), vol. 3, pg. 207.
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Terminologia da área de saúde usada por alguns profissionais para descrever os quatro principais aspectos que definem o ser humano de forma holística: biológica, psicológica, social e espiritual.



