Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. 1Pe 2:5.
Todas as pessoas são chamadas por Deus do domínio do pecado para o reino da graça com um propósito específico: torná-las futuros cidadãos e atuais agentes do reino de Deus. Como esse reino será constituído de sacerdotes (1Pe 2:9), o projeto de Deus para todo filho Seu é que cada um encontre o seu sacerdócio, o seu ministério no corpo de Cristo agora, enquanto militam pelo estabelecimento do reino.
O plano era: qualificar pessoas para funções específicas
Uma parábola moderna conta a estória de um grande empresário que se determinou a levar sua corporação, em tempo hábil, a uma grande meta. Para isso, desencadeou um processo de seleção e contratação dos profissionais que mais se adequassem aos seus planos. Esses colaboradores passariam por um rigoroso programa de treinamento e capacitação até estarem aptos para exercerem suas funções com o máximo de eficácia possível.
Generosos investimentos foram feitos para preparar a equipe que dirigiria cada área da empresa. O colaborador “A” foi enviado para um curso de marketing, vendas e relações humanas no exterior, pois ele atuaria como responsável pelas vendas e negócios externos da empresa. O escoamento de toda a produção estaria sob sua responsabilidade e de sua equipe.
Ao colaborador “B” foi oferecido um excelente programa de pós-graduação em administração financeira na melhor instituição de ensino do país, pois ele assumiria a direção dessa área, cuidando da saúde financeira da corporação.
Outro profissional-chave, o colaborador “C”, recebeu tratamento privilegiado. Ele atuaria no departamento de RH, com um programa de capacitação contínua do pessoal. As competências dos colaboradores precisariam ser permanentemente aperfeiçoadas para se manterem competitivos no agressivo mercado que a empresa queria conquistar.
Com esse gigantesco esforço de investimento cada colaborador, de todos os níveis da empresa, recebeu o treinamento adequado à área que deveria atuar para a conquista do megaprojeto idealizado pelo grande empreendedor. Um planejamento foi feito e esperava-se que a curto, médio e longo prazo, as metas fossem atingidas e os desafios superados.
Depois de uma longa e exaustiva fase de preparação o grande dia do início do trabalho chegou. Tudo parecia ir bem e as semanas transcorreram em aparente normalidade, foram se acumulando e as engrenagens da empresa pareciam funcionar como esperado; até que um estudo de avaliação revelou o que ninguém esperava e que todos temiam: não se constatava os resultados objetivos de todo aquele esforço e investimento. A eficácia da empresa estava seriamente comprometida. Os alvos pareciam ainda muito longe, quando já deveriam ter sido conquistados; os líderes estavam sobrecarregados e infelizes e as equipes improdutivas. Algo de errado acontecia ali e precisava ser imediatamente detectado e corrigido.
Um estudo mais amplo foi encomendado a uma consultoria especializada e, depois de dias de observação e pesquisa, o diagnóstico foi emitido, para o espanto de todos os envolvidos na empresa.
Os colaboradores, desde os mais altos executivos ao “chão-de-fábrica”, não estavam atuando nas áreas para as quais foram devidamente capacitados. Por alguma razão que não estava muito clara, os postos de trabalho foram trocados. O profissional “A” que seria o responsável pelas vendas da empresa estava atuando com sua equipe na área financeira. O Profissional “B” e sua equipe, que cuidaria das finanças, desprezou essa atividade ao ver que ela já estava sendo atendida e foi, por conta própria, atuar no treinamento e capacitação do pessoal; e o colaborador “C” partiu para as vendas já que não tinha o que fazer na diretoria de RH.
O diagnóstico ainda apontou que mesmo com toda essa confusão alguns resultados foram auferidos pelas três equipes, por conta do esforço e dedicação de cada um, além de suas competências e capacidade de adaptação. Embora algum avanço pôde ser percebido, se tratava de resultados muito aquém do potencial para o qual as equipes foram preparadas. Um grande investimento fora feito na capacitação dos empregados e esperava-se que naturalmente eles atuassem em harmonia com suas habilitações, alcançando altos índices de eficiência e significativos resultados.
Além da mediocridade dos resultados conquistados, o fato de estarem atuando em postos para os quais não foram preparados os tornou pessoas insatisfeitas, amargas e infelizes devido à natural inadequação. Cada posto de trabalho abandonado ficou em sério prejuízo, pois foi ocupado por alguém que não reunia as competências adequadas àquela tarefa. E, por mais esforço que fizessem não conseguiriam alcançar os índices de eficiência daqueles que tinham os dotes adequados.
Uma conclusão óbvia é que o grande empresário esperava que cada colaborador atuasse em harmonia com as competências que adquiriu, com as habilidades que desenvolveu. Tudo isso representou um significativo investimento e precisava ser valorizado. Um alto preço fora pago para que cada colaborador desenvolvesse sua aptidão e pudesse oferecer, em troca, uma atuação eficiente na sua área específica.
Naquele empreendimento, todos eram importantes. Cada um tinha seu lugar para ocupar e ninguém era dispensável ou desnecessário. E isso só tornou mais grave o problema de atuarem em desacordo com suas competências pessoais.
Depois desse estudo uma reunião foi convocada. Não havia a preocupação de encontrar os culpados de explicar como uma ingerência de tamanha proporção pôde ter sido permitida por tanto tempo. O foco daquele encontro era o recomeço, o acerto e ajuste entre funções e competências.
Todos entenderam que poderiam realizar muito mais se atuassem no lugar certo, aquele para o qual foram preparados. Perceberam que seriam muito mais felizes e realizados se ocupassem funções relacionadas com suas competências e não à revelia delas.
Houve um compromisso corporativo e todos tiveram que relembrar aquilo para o qual foram chamados a realizar. Promoveu-se reciclagem em todas as áreas para que ninguém tivesse dúvidas sobre suas competências, suas equipes de trabalho e suas funções. Os objetivos da empresa a curto, médio e longo prazo foram reafirmados e, ajustadas as engrenagens, o trabalho recomeçou.
Logo ficou claro o quanto estavam sendo penalizados em seus mais dedicados esforços. Agora, aquela jornada de trabalho que parecia longa, penosa e extenuante se tornou um momento produtivo, dinâmico e vibrante do dia. Os escassos resultados antes obtidos foram superados em dezenas de vezes com menos desgastes e investimentos. O sentimento de frustração e inadequação que favorecia a tensos relacionamentos cedeu lugar a um clima organizacional estimulante e cooperativo, fruto da satisfação que cada um experimentava em seu trabalho.
Resultados eram conquistados a proporções inimagináveis. Alvos foram superados e metas alcançadas. Não havia desafio que o grupo não pudesse vencer. A felicidade estampada no rosto do grande empresário ao ver seus colaboradores atuarem em harmonia com seus dotes pessoais crescia potencialmente tanto quanto a autoestima do grupo com os seus resultados. Uma nova era de sucesso e prosperidade foi inaugurada e todos viveram felizes para sempre…
Lições preciosas
Essa estória, embora alegórica, nos ensina boas lições. Ela tem muito a ver com o plano de Deus de capacitar Seu povo para o grande empreendimento de executar o plano da redenção perante os homens e estabelecer Seu reino de paz. Para isso Ele capacitou Sua equipe de trabalho com os dons espirituais a fim de que cada um tenha um ministério específico e eficaz no corpo de Cristo.
Uma das lições da estória é a de que houve um investimento da parte de Deus, Grande Empreendedor, para que cada cristão pudesse ser dotado de um ou mais dons espirituais e assim, servisse aos interesses de Seu reino como um ministro ativo e produtivo. O preço dessa conquista foi muito alto, custou a vida do Filho de Deus. O preço da capacitação foi o mesmo pago pela dádiva do perdão e da salvação.
Já vimos que a graça que salva do pecado é a mesma que salva da inutilidade do ponto de vista do reino de Deus. A graça salvadora também é graça capacitadora. A justificação pela fé em Cristo opera a salvação e a ação poderosa do Espírito Santo, entre outras coisas, opera a capacitação para o ministério no corpo de Cristo mediante os dons espirituais.
Outra lição expressa na estória é a de que cada cristão precisa atuar em harmonia com a capacitação do Espírito mediante os dons espirituais, caso contrário, o reino de Deus acumulará sérios prejuízos. Essa lógica se fundamenta no fato de que nenhuma pessoa será tão capaz, eficiente, produtiva e feliz atuando em uma área à revelia de seus dons, quanto será se atuar em harmonia com eles.
Muita gente na igreja foi capacitada pelo Espírito Santo para uma determinada área e passa grande parte da vida atuando em outra, somente por não conhecer o que está revelado acerca dos ministérios orientados segundo os dons.
Alguns têm preferência por determinadas áreas como a música, a pregação e a liderança e decidem se envolver com elas sem sequer considerar “esse negócio de dons”. O resultado disso tem sido prejudicial a todos os envolvidos: Deus, que planejou, investiu e capacitou os crentes para atuarem conforme os dons concedidos pelo Espírito; a igreja que sofre pela perda daquele potencial ministerial; o reino de Deus que acumula prejuízo por não contar com um serviço adequado a suas necessidades; a obra missionária em favor dos perdidos perde mão-de-obra qualificada e o próprio crente não é edificado tanto quanto poderia se atuasse em harmonia com seus dons.
Mesmo que as pessoas consigam algum resultado em um determinado ministério, mediante sua dedicação, esforço e inteligência, enquanto atuam em desacordo com os seus dons, podemos afirmar com segurança que seriam muito mais eficazes se estivessem no lugar para o qual o Espírito Santo as comissionou, capacitou e dotou. Crer o contrário seria negar o poder do Espírito para dotar pessoas de habilidades especiais para o ministério cristão.
Outra lição da estória é a de que cada membro do corpo de Cristo foi colocado ali com um propósito. Assim como todo colaborador é admitido numa empresa para uma função específica, cada filho de Deus é recebido no corpo de Cristo para um ministério específico. Ninguém foi chamado para fazer nada, para ser mero assistente. A todos foi dado um ofício, todos são sacerdotes do reino de Deus. Todos receberam dons espirituais.
“Os talentos que Cristo confiou à Sua igreja representam especialmente os dons e bênçãos conferidos pelo Espírito Santo […] Nem todos os homens recebem os mesmos dons, porém a cada servo do Mestre é prometido algum dom do Espírito.”¹
O propósito de Deus com estes dons é que cada cristão possa ser efetivamente útil aos interesses de Seu reino ao atuar em ministérios relacionados com seus dons. Por isso podemos afirmar que cada cristão precisa ter certeza de seu ministério, de sua função sacerdotal.
Eleição e chamado ao sacerdócio
Um dos textos bíblicos mais significativos acerca do chamado de Deus para os seres humanos e do Seu propósito para nossa vida está na primeira carta de Pedro. Nela o apóstolo descreve com um excepcional conjunto de imagens e palavras aquilo que é o plano de Deus para Seu povo em geral e cada um de nós em particular. Ele diz:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; (1Pe 2:9)
O escritor bíblico está definindo nossa identidade, ele está dizendo o que somos no coração e mente de Deus e o que deveríamos ser de fato; aquilo que Deus idealiza que sejamos, pois Ele disponibiliza todos os recursos necessários para que cada um de nós seja tudo aquilo que Ele sonha que sejamos.
Raça eleita
Pedro começa este verso dizendo: “Vós, porém, sois raça eleita”. Ele inicia com uma adversativa e estabelece uma relação de contraste entre o povo de Deus, os destinatários de sua epístola, e outro grupo citado nos versos anteriores, os descrentes que tropeçam na palavra e são desobedientes para o que foram postos ou para aquilo que foram destinados. Os que não crêem na Pedra Angular eleita e preciosa que é Jesus (1Pe 2:7) e por isso não cumprem o propósito de Deus para suas vidas. O de serem edificados “casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1Pe 2:5).
Nesse contraste, Pedro enfatiza a enorme diferença entre aqueles que cumprem o propósito de Deus para suas vidas e os que não cumprem. Os que vivem em harmonia com este plano e os que vivem à revelia dele. “Vós, porém, sois raça eleita”. Vós sois [γενοσ εκλεκτον] genos evklekton. Genos é um substantivo grego singular que significa geração, raça, nação ou povo enquanto eklekton é um adjetivo nominativo, significando eleito, escolhido ou selecionado.
A inspiração divina levou o apóstolo a dizer que somos uma nação, uma raça, não mais com limitações étnicas, não necessariamente descendentes biológicos de Abraão, não mais hebreu, judeu ou palestino, mas geração escolhida de Deus. Um novo povo, uma nova nação de santos.
Fomos eleitos e isso significa que alguém nos escolheu e esse alguém é Deus. Antes mesmo que tomássemos qualquer atitude em direção a Ele, Sua graça já havia nos alcançado, pois como disse Jesus: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda” (Jo 15:16).
Isso significa muito para nós! Ele nos escolheu, Ele nos elegeu e selecionou, não com base em nossas virtudes ou superioridade em relação aos outros seres humanos, mas com base unicamente em Seu amor e Seus desígnios para conosco. Este propósito de Deus em nos eleger precisa ser encontrado, compreendido e cumprido. Somente assim encontraremos o verdadeiro sentido para nossa existência e a plena realização de nossa utilidade para os interesses do reino de Deus.
Sacerdócio real
O apóstolo continua dizendo que somos “sacerdócio real”, e para isso ele usa as palavras gregas: [βασιλειον ιεράτευμα] basileion ierateuma. Basileion se refere a algo pertinente ao reino. Um adjetivo que qualifica algo como real ou ligado ao rei e seu serviço. Estamos assim ligados ao reino de Deus e aos Seus interesses. Somos servidores da corte do Rei do universo e isso dá um significado muito especial para nossa vida e nosso chamado.
Uma palavra da mesma raiz, [βασιλ] basil foi aplicada a Jesus pelos magos do oriente quando perguntaram: “onde está o recém-nascido rei dos judeus?” (Mt 2:2). Foi o termo que Natanael usou para descrever sua compreensão da Pessoa de Jesus: “Tu és o rei de Israel” (Jo 1:49). Paulo usou esta mesma palavra ao se referir a Jesus, dando glórias por Sua misericórdia em redimi-lo: “Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém!” (1Tm 1:17). Esse foi o testemunho de João em relação ao Cordeiro de Deus que vencerá as potestades do mal no conflito escatológico, “pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis” (Ap 17:14).
Todo rei, no exercício de sua soberania, tem privilégios garantidos pelo regime de monarquia, inclusive o de selecionar dentre os seus súditos, homens e mulheres para servirem mais próximos a ele, no palácio real. Neste sentido é que Pedro usa o adjetivo basileion, para dizer que fomos selecionados pelo rei do universo para servir diretamente a Ele em Sua casa.
João ainda acrescenta em Apocalipse 17:14, outro pensamento em relação aos que servem ao Senhor dos senhores e Rei dos reis: “vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele”. Essa vitória será garantida àqueles que uma vez chamados e eleitos pelo Rei dos reis sejam encontrados fiéis.
O serviço para o qual fomos chamados a desempenhar é algo muito especial. Não se trata de qualquer tarefa, é descrito pelo apóstolo Pedro nos termos de [βασιλειον ιεράτευμα] basileion Ieráteuma. Sacerdócio real significa que não somos os bobos da corte, não fomos chamados para a tarefa honrosa de cuidar do cardápio do rei ou de seus aposentos. leráteuma significa sacerdócio. Esse é o nosso chamado, essa é a tarefa para a qual o Rei nos elegeu, nos escolheu e nos chamou: sermos sacerdotes do Rei Altíssimo.
Será que saber disso não muda algo em sua vida? Esta verdade não oferece um novo significado para sua experiência cristã? É claro que sim! E é esse novo significado que deve reger sua vida e serviço para o reino de Deus, tanto o reino da graça como o reino da glória. Basileion ieráteuma define nosso ministério junto ao corpo de Cristo. Sermos sacerdotes neste momento significa assumirmos nosso lugar junto aos interesses do reino de Deus. Este tema do sacerdócio de todos os crentes foi uma das grandes verdades restauradas pela Reforma Protestante do século XVI. Hoje continua sendo uma verdade revolucionária na vida de muitos cristãos que ainda não compreenderam o que ela significa.
A palavra ieráteuma vem da raiz grega ier [ιερ] que indica algo sagrado, santo, separado para a deidade. [lɛρον] ieron é o templo ou santuário (Mt 12:6; Mc 13:30; Jo 10:23). ierourgew [ιερουργέω] é executar ofício sagrado, agir como sacerdote ou servir sacerdotalmente ao evangelho (Rm 15:16). Ieremias [Ιερεμιασ] era o profeta de Deus e Ierousalhm [Ιερυσαλήμ] era a cidade santa. Além de leráteuma [ieráteuma], as palavras ierwsunh, [εροσινε] que aparece em Hb 7:11, 14 e ierateia [ιερατεια] em Lc 1:9 e Ap 5:10, significam ofício sacerdotal².
A natureza deste sacerdócio transcende ao âmbito eclesial (da igreja), tem desdobramento devocional, serviçal e ministerial. Assim, consiste em servir a Deus por toda a vida e não apenas durante os ritos e cerimônias da igreja. Você é chamado a atuar em todo o momento e lugar como sacerdote e ministro de Deus cumprindo sua função na igreja e dando continuidade ao ministério durante a semana enquanto administra os desafios da vida moderna.
Todo cristão é chamado para uma função sacerdotal, portanto não há cristianismo verdadeiramente, sem sacerdócio. Com isto em mente, ninguém terá na igreja a opção de ficar contemplando o sacerdócio do pastor ou dos líderes sem ter a sua própria experiência. Isso simplesmente não existe e aqueles que insistirem nesse modelo amargarão prejuízos eternos.
Nação santa
Aqui o apóstolo introduz a figura de uma nação sem fronteiras. A essa altura Paulo já compreendia a dimensão que a mensagem do Cristo tomaria e era de seu conhecimento que ela transcenderia os limites geográficos e étnicos de Israel. Ellen White, enfatizando a mensagem de 1 Pedro 2:9 afirma que
“É para nós que está escrito: Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes dAquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. “3
A construção que o autor usou é [ετνοσ ηάγιον] – etnos hágion – [ετνοσ] significando nação, povo, etnia e [náγιον] santo, consagrado, santificado, separado para servir a Deus ou separado por Deus.
Esta é a grandeza do plano de Deus para o Seu povo: que ele seja uma nação santa, separada deste mundo para servir a um propósito todo especial e para isso precisa individual e pessoalmente, se consagrar a Deus e a Seu serviço. O escritor já havia se referido aos planos de Deus que exigiam santidade de Seu povo: “Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1Pe 2:5).
Ser povo de Deus, esse é o nosso grande privilégio. Sem fronteiras, sem preconceitos, sem limitações raciais, cumprir o grande desejo de Deus expresso nos diversos apelos que fez durante séculos “para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem; eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus” (Ez 11:20).
Povo de Deus
Neste momento da narrativa o termo laós [λαοσ] para povo, gente ou população surge aproximando os relacionamentos. Seria o mesmo que ouvir Deus dizer “esta é minha gente”. De laós deriva o conceito de leigos quando se refere aos membros da igreja que exercem um ministério voluntário. O sentido é de toda a igreja, sem nenhuma conotação pejorativa.
Essa gente foi adquirida por um alto preço. [περιποισιν] peripoihsin significa obtido, ganho, possessão, propriedade. Aqui é enfatizada a ideia da identidade do povo de Deus e da possessão do Senhor sobre a igreja. O senhorio de Cristo sobre os membros do Seu corpo também está evidenciado no fato dEle ser a cabeça desse corpo (Ef 4:15; 5:23; Cl 1:18).
A palavra “leigo” vem do latim laicus, que derivou do grego laos, cujo significado é simplesmente “povo”. Na época medieval passou a ser usada em contraste com “clérigo”, que designava o sacerdócio oficial. Foi o bispo Estêvão de Tournai que, no século 12, classificou o povo entre “superior” e “inferior”, cada um com uma diferente recompensa no céu.⁴
Durante a Idade Média, ganhou corpo o ensino de que devia haver uma separação entre os leigos e o clero. O clero possuía um status mais elevado que os leigos, daí resultou a ideia de que os clérigos possuem toda a autoridade e que devem realizar toda a atividade da igreja e que o povo deve ser mero expectador executado apenas as obrigações ordenadas pelo clero dominante.
Esse não é um modelo bíblico de liderança eclesiástica e fere frontalmente os princípios do sacerdócio de todos os crentes com ministérios orientados pelos dons. Para Deus todos os membros do corpo de Cristo são sacerdotes do reino, nação chamada para servir a Deus e povo exclusivo Seu, não existindo entre eles distinção de valor, somente de função.
Referências
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Ellen G. White, Parábolas de Jesus (Tatui, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), 327.
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F. W. Gingrich e Frederick W. Danker, Léxico do Novo Testamento Grego Português (São Paulo, SP: S.R. Edições Vida Nova, 1984), 100, 101.
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Ellen G. White, Conselhos sobre o Regime Alimentar (Tatui, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), 27.
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James Zackrison, Dons Espirituais Chaves Para o Ministério (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, Lição da Escola Sabatina, primeiro trimestre de 1997), lição 3, p. 3.


