Os Dons do Espírito na Igreja Primitiva

Oficina de Dons

Cada um tem de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira e outro de outra.
1Co 7:7

O movimento de mudanças em direção aos ministérios relacionados com os dons não é um modismo, mas um esforço de levar a igreja no sentido do retorno às origens.

Historicamente o começo de uma igreja cristã reconhecida, atuante de forma corporativa e bem próxima dos planos de Deus para ela a ponto de influenciar o mundo significativamente se deu com o impacto dos dons espirituais na vida desta igreja. Em Atos 2 encontramos este começo e é inevitável dar o destaque à manifestação e aplicação dos dons espirituais a exemplo de profecia, línguas, evangelização, curas, pregação, entre outros.v

Séculos se passaram e a igreja cristã se afastou do modelo dos ministérios de todos os crentes, foi quando Deus suscitou o movimento de reforma para erguer perante o mundo cristão a bandeira do sacerdócio universal de todos os crentes. Os membros em geral, (o povo ou leigos do grego laikós) precisavam reassumir seu lugar no corpo de Cristo, mas a rigidez o modelo catedralizado e clericalizado da igreja dificultou o processo e muitos crentes continuaram assistindo os ministros profissionais fazerem todo o trabalho.

A reforma protestante teve sua relevância, mas precisamos retornar urgente à pauta dos ministérios de todos os crentes ou não seremos capazes de ver a igreja triunfante atuando com toda a sua potencialidade, mesmo no período de sua militância.

Destacadamente a igreja relacional dos grupos pequenos era uma forte marca do crescimento da igreja primitiva. Neste ambiente os dons espirituais floresciam e as pessoas identificavam seus ministérios e recebiam estimulo e orientação para pô-los em prática.

Todo membro era exortado a bem desempenhar sua parte. Cada qual devia fazer sábio uso dos talentos a ele confiados. Alguns foram dotados pelo Espírito Santo de dons especiais – ‘primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas’. I Cor. 12:28. Todas estas classes de obreiros, porém, deveriam trabalhar em harmonia. […]  I Cor. 12:4-12.

 

Evidencias bíblicas dos dons espirituais na igreja primitiva

A igreja do primeiro século buscava sua identidade se adequando ao direcionamento dado pelo Espírito Santo. Isso se evidenciava em relação a muitos aspectos de sua existência e também em relação aos dons espirituais. A ênfase que a igreja primitiva deu aos dons espirituais pode nos ensinar muito acerca de como dirigir a igreja de hoje para seu trunfo.

Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 208), 92.

Os grandes tratados sobre dons aparecem nas epístolas de Paulo (Rm 12; I Co 12; Ef 4) datadas respectivamente de 57/58, 57 e 62 d.C. Estas epístolas estabeleceram bases claras para a incipiente igreja e nortearam o seu modo operante. Nesse ambiente os dons espirituais eram naturalmente evidenciados e vivenciados, pois é isso que se vê em atuação no ministério de seus representantes, desde os mais destacados aos que caminharam à beira do anonimato.

Mais tarde, na história da igreja primitiva, quando nas várias partes do mundo muitos grupos de crentes se constituíram em igrejas, a organização da mesma foi mais aperfeiçoada, de modo que a ordem e a ação harmoniosa se pudessem manter. Todo membro era exortado a bem desempenhar sua parte. Cada qual devia fazer sábio uso dos talentos a ele confiados. Alguns foram dotados pelo Espírito Santo de dons especiais – “primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas”. I Cor. 12:28. Todas estas classes de obreiros, porém, deveriam trabalhar em harmonia.

A cena dos discípulos recebendo o dom de línguas e atuando pronta e harmoniosamente com esta capacitação do Espírito é, no mínimo, simbólica (At 2:1-13). Cada apóstolo atuou em seu ministério em harmonia com o chamado que recebeu de Deus e a respectiva capacitação do Espírito.

Pedro pregou brilhante e poderosamente (At 2:14-36) “cheio do Espírito Santo” (At 4:8) exercendo, pelo menos, um de seus dons espirituais; Estevão, “homem cheio de fé e do Espírito Santo” (At 6:5) aceitou o martírio de forma tão convicta e inspiradora que nos permite pensar que ele exerceu ali seu dom espiritual (At 7:55-59).

Paulo aparece atuando em harmonia com seus dons espirituais: pregando, evangelizando como missionário além mar e liderando de forma brilhante, além do exercício de seu ministério apostólico (Rm 1:1; 1Co 1:1,2) e de escritor de cartas às igrejas (1Co 16:3; 2Co 10:9-11).

Ágabo manifesta o dom profético ao prever um período de escassez de alimentos por todo o mundo “o qual sobreveio nos dias de Cláudio” (At 11:28; 21:10).

Apolo surge encantando a igreja de Corinto como um eloquente judeu cristão (At 18:24-28). Dorcas é citada como uma mulher servidora e sensível às necessidades dos pobres, evidenciando o dom de ajuda e de misericórdia (At 9:36,39). Filipe demonstra uma extraordinária capacidade de síntese ao ensinar a mensagem essencial do evangelho ao etíope e levá-lo, num único encontro, ao batismo (At 8:26-40). Não há dúvidas de que ali se manifestou um dom espiritual!

Jesus, especialmente, experimentou a unção do Espírito que o capacitou a manifestar os mais diversos dons espirituais no exercício de seu ministério. Atos 10:38 revela “como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele”; e, a Seu respeito, não seria exagero dizer que Ele tinha à disposição de seu ministério todos os dons espirituais.

“O Espírito santo, ao distribuir os dons, já determinou em quais ministérios deveria integrar-se cada discípulo para que a igreja possa suprir suas necessidades próprias e as da comunidade. As igrejas que funcionam dentro deste modelo bíblico são as que hoje estão crescendo”.

Outros textos, além dos citados, trazem à tona o tema dos dons espirituais de forma a evidenciar sua relevância para a igreja primitiva (1Pd 4:10,11; 1Co 1:5-7; 13:1-3,8; 14:1-25; 2Co 8:7; 1Ts 5:19,20), o que nos convida a buscar uma experiência consistente com os dons do Espírito tanto no âmbito da igreja local como na esfera individual.

 

Oficina de Dons

 

A igreja triunfava dirigida pelo Espírito

O direcionamento do Espírito Santo na igreja primitiva se manifestou de muitas formas e em diversos momentos. Ele deu ordens claras e específicas aos discípulos, como quando enviou Filipe para evangelizar o etíope: “disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o” (At 8:29); e quando orientou a Pedro que seguisse alguns homens que o buscavam para uma missão em Cesaréia: “Então, o Espírito me disse que eu fosse com eles, sem hesitar” (At 11:12).

Nomes foram indicados pelo Espírito Santo para tarefas de Seu interesse: “disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13:2), e determinou seus itinerários: “Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali, navegaram para Chipre” (At 13:4).v

Vemos o Espírito Santo limitando a atuação dos apóstolos (At 16:6,7), dando equilíbrio ás suas decisões em relação aos recém convertidos (At 15:28), os advertindo acerca dos perigos futuros  (At 20:23; 21:4,11) e constituindo líderes para cuidarem da igreja (At 20:28).

Não por coincidência essa mesma igreja que era dirigida pelo Espírito Santo e se submetia ao seu direcionamento, enquanto atuava em harmonia com os dons por Ele concedidos, viveu o período de maior triunfo de sua história. O poder de Deus se manifestou através de sinais que convenciam os ouvintes da veracidade a da origem da mensagem dos apóstolos (Mc 16:17,20; At 2:43; 4:30; 5:12; 8:6; 14:3; 15:12; Rm 15:19), o evangelho avançou conquistando multidões de diversas culturas e pessoas das mais variadas posições sociais em proporções não mais vistas (At 2:41,47; 4:4; 5:14; 6:7; 11:21; 14:1; 16:5; 17:4; 18:8). A comunidade dos crentes vivenciou uma unidade de propósito em sua convivência (At 2:42-47; 4:31-35; 12:5) que pareceu cumprir a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17:1-26).

A comissão dada por Cristo aos discípulos foi cumprida. Ao saírem esses mensageiros da cruz a proclamar o evangelho, houve tal revelação da glória de Deus como nunca antes fora testemunhada pelos mortais. Mediante a cooperação do Espírito divino, os apóstolos fizeram uma obra que abalou o mundo. O evangelho foi levado a todas as nações numa única geração. Gloriosos foram os resultados que acompanharam o ministério dos apóstolos escolhidos de Cristo.

Em todos estes momentos da igreja primitiva pode-se perceber a forte evidência da influência dos ministérios orientados segundo os dons, o que nos sugere que devemos resgatar este modelo para a igreja moderna a qual tem se afastado, tanto no tempo como na experiência espiritual, do triunfante período apostólico. Esse afastamento tem se manifestado de diversas formas, todas elas opostas aos propósitos de Deus para o seu povo que vive tão próximo do retorno de Jesus e que mais do que qualquer outro em qualquer época, precisa viver sob a égide e o poder do Espírito Santo.

 

Os pequenos grupos na igreja primitiva

Os primeiros cristãos nos deixaram o exemplo do equilíbrio entre a igreja do templo e a igreja dos lares. Não eram os prédios imponentes que predominavam em sua vida religiosa.

Não havia hierarquia clerical nem separação devido à relevância funcional, mas unidade de propósitos baseada na qual, os cristãos se encontravam e amadureciam seus relacionamentos

“diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração”. (At 2:46).

“As Escrituras relatam que os cristãos do primeiro século se encontravam nas casas para adoração, comunhão e ensino (1Co 16:19; Rm 16:5; Cl 4:15; At 5:42).”[1] Encontravam-se frequentemente para orar e adorar a Deus no templo e nas casas. “A igreja do novo Testamento estava equilibrada entre a comunidade corporativa e a comunidade de célula: entre a expressão do grupo grande e a expressão do grupo pequeno.” No templo experimentavam celebração e nas casas edificação. Durante décadas esta convivência harmônica foi preservada até que interferências externas e alheias aos propósitos de Deus com sua igreja alteraram essa saudável rotina.

Em sua campanha de perseguição contra os cristãos primitivos, “aclamando-se publicamente como o principal inimigo de Deus, Nero foi conduzido em sua fúria assassinar os apóstolos”.  Paulo, diante da postura insegura de Festo (At 25:10,11), embora tenha apelado a Nero por ser ele o César de então, tombou sob sua fúria, o que também aconteceu com Pedro. Em 64 d.C., ano do grande incêndio de Roma, Nero decretou que nenhum prédio fosse erguido para abrigar cristãos em sua intenção de cultuar corporativamente ao seu Deus. Esse decreto levou os cristãos a se mobilizarem ainda mais numa estrutura que eles já conheciam: os pequenos grupos. Isso impulsionou a igreja no tremendo avanço que experimentou naquela época. Esta fase de crescimento terminou quando Constantino, ligando-se à igreja cristã, decidiu erigir os vários prédios das igrejas primitivas do império romano. Além de limitar o crescimento da igreja esta nova forma de ver a igreja impôs à fé cristã, dois delicados desdobramentos: “ajudou a criar uma distinção não-bíblica entre clérigos e leigos” e limitou a vida da igreja e o desempenho do ministério em torno do templo.

Os pequenos grupos foram a chave de cada grande movimento do cristianismo, desde o Pentecoste, a Reforma e o reavivamento de Wesley na Inglaterra. A igreja cristã na China se susteve por meio deste sistema.

David Cox insiste que os pequenos grupos como base da estrutura da igreja pode favorecer de forma especial à uma maior consciência da importância dos dons espirituais e ao desenvolvimento de ministérios orientados segundo os dons.

 

A igreja da catedral e do clero

O conceito de igreja estatizada, institucionalizada nas catedrais e centrada no clero como classe distinta e dominante, portanto, superior aos leigos, foi uma herança pagã e romana, trazida para o cristianismo por Constantino no quarto século. Ao contrário, Jesus fundou uma igreja sem edifícios, sem catedrais e sem castas dominantes, mas com uma liderança serviçal organizada.

Áquila e Priscila eram líderes de uma igreja nas casas, a unidade de operação básica da igreja primitiva. O paradigma de igreja de Áquila e Priscila estava muito mais próximo da igreja em células do que da catedral.

Não era na estrutura física do templo que o Mestre centralizava seu ministério nem incentivou que seus discípulos assim o fizessem. “A igreja do Novo Testamento era uma igreja de grupos pequenos”[1] . Mesmo assim nos anos posteriores seguiu-se a proliferação das grandes catedrais em detrimento dos grupos pequenos familiares e relacionais e o domínio de um grupo de elite religiosa em detrimento do programa dos ministérios de todos os crentes. Provavelmente ninguém poderá auferir com precisão os prejuízos acumulados ao longo dos séculos para a igreja cristã advindos do desdobramento deste problema. Na medida em que o tempo passou, os resquícios foram acumulados e hoje remonta para a igreja do século 21 um desafio de proporções gigantescas.

Ao longo dos séculos a igreja catedralizada (a que prioriza os grandes ajuntamentos em detrimento dos pequenos grupos relacionais) e clericalizada (dominada por uma elite religiosa em detrimento dos ministérios de todos os crentes) se tornou uma instituição marcada, principalmente, por turbulências relacionais e pela perda de seu foco missiológico. Milhares de igrejas com esse perfil surgiram nos Estados Unidos desde a década de 1960 e desde então exportam sua cultura para o restante do mundo.

Nas igrejas com o perfil de catedral (catedralizadas), em geral, as reuniões sociais são relegadas às esporádicas iniciativas individuais, os relacionamentos são frios e formais, o aspecto social em geral é quase nulo e os dons espirituais não encontram espaço para sua expressão.

Oficina de Dons

David Cox escreveu com muita propriedade que para muitas congregações, o edifício da igreja tornou-se o centro do ministério, porque é aí que a maioria dos programas e dos serviços têm lugar […]. No que respeita ao ministério, entanto, o fato é que os leigos tendem a ser espectadores, não ministros, nessas reuniões […].

E acrescenta: “É evidente que precisamos mudar o modo como ministramos ao nível da igreja local, se é que queremos realmente liberar o imenso potencial dos leigos para o ministério”.

Igrejas locais com ambiente clericalizado, são aquelas onde poucos líderes centralizam os ministérios enquanto a grande maioria dos membros apenas assistem. Os ministérios são concentrados em uma elite enquanto a maioria dos membros observa, participa indireta ou esporadicamente e financia o trabalho dos especialistas. Resumindo, nas palavras do Dr. Daniel Rode: “um grupo reduzido faz toda as tarefas e o resto morre por falta de atividade.”

Ali os dons espirituais são ignorados, pois se imagina que apenas os privilegiados precisam exercê-los. O convívio em equipes de ministério é uma experiência rara, pois não há relacionamento de serviço nem de convívio social.

Este ambiente produzirá pessoas sem a correta visão do verdadeiro papel da igreja cristã no mundo (sua missão: Mt 28.19-21) e sem o devido preparo para uma convivência minimamente adequada ao padrão que Cristo idealizou para sua igreja nascente (sua comunhão: Atos 2). E, ao que tudo indica, essas pessoas continuarão por muito tempo com um conceito equivocado do que Deus espera da igreja neste tempo.

Estes fatores têm produzido uma geração de membros despreparados, descomprometidos e dependentes, também conhecidos como consumidores. A questão que nos preocupa é: até que

ponto esta contracultura de igreja está formando a mentalidade e o comportamento dos adventistas do sétimo dia no Brasil, na América do Sul e no mundo?

 

Financiar, sobrecarregar, desfocar

Três atitudes desagregadoras serão naturalmente adotadas como prioridade em tal cenário de distanciamento do projeto original de Deus para a igreja: (1) financiar o trabalho de profissionais da pregação do evangelho, (2) sobrecarregar o ministério dos pastores de cuidados pessoais voltados para membros com alto grau de dependência e (3) estabelecer uma igreja focada em programas muito mais do que na missão.

Por financiar o trabalho de profissionais entenda-se aquela atitude cômoda de dar dinheiro para campanhas evangelísticas como substituição do envolvimento pessoal e direto na missão da igreja. “As igrejas protestantes da América contratam os ministros para fazerem o trabalho do ministério enquanto os leigos pagam e assistem.”[1]

Algo como uma transferência de responsabilidades, uma rota de fuga do chamamento individual da grande comissão. Tal atitude nada tem a ver com a boa mordomia do sistema bíblico dos dízimos e ofertas, os quais atendem às necessidades do campo missionário local e mundial.

Sobre o ministério dos pastores em tais igrejas podemos afirmar com segurança que muitos estão comprometidos mais com atendimento pessoal do que corporativo. Não estamos falando daquele atendimento pastoral saudável, em que o membro é procurado, estimulado e munido de condições para ser um discípulo e discipulador de outros. Referimo-nos às horas preciosas que são dedicadas por muitos ministros à solução de pequenos problemas relacionais entre os membros em detrimento da grande tarefa de mobilização da igreja como um todo.

O terceiro aspecto é que a igreja focada em programa é desfocada da missão e vê os grandes ajuntamentos e entretenimentos religiosos como um fim em si mesmos. Investem dinheiro, tempo e energia de sua liderança na elaboração e execução de programas sem uma correta visão de missão. Tais programas começam, terminam e nada acontece em direção dos “perdidos da casa de Israel”.  Quando o evento acaba, tudo acabou. Nomes não são arrolados, pessoas não são visitadas, a palavra não é ministrada de forma pessoal, vidas não são transformadas.

 

Desdobramentos cíclicos

O resultado desses três elementos desagregadores numa igreja clericalizada e catedralizada será um ciclo vicioso composto de alguns elementos danosos à vida da igreja:

(1) Distanciamento na convivência dos membros. A maioria dos membros não se identifica com outros em laços estreitos e sólidos de amizade e companheirismo cristão, o convívio dos membros é restrito aos grandes encontros congregacionais e necessidades afetivas em nível de corpo de Cristo não são atendidas. Isso favorece ao isolacionismo, ao individualismo e ao ostracismo religioso; males crônicos da igreja do século vinte e um.

(2) Prejuízos relacionais são acumulados em tal cenário e seu alto custo será sentido em diversos aspectos da vida da igreja; destacando-se a dificuldade de se estabelecer com as pessoas envolvidas, equipes de ministérios eficazes, harmônicas e comprometidas.

(3) Perda do senso de missão é outro resultado da tríplice tendência das igrejas catedralizadas e clericalizadas. A saber, as três tendências são: financiar o trabalho de profissionais do evangelismo, sobrecarregar os pastores com cuidados individuais e estabelecer igrejas voltadas para programas.

Nesse ambiente os membros começam a ver a igreja apenas como um centro terapêutico onde elas podem encontrar alívio para seus problemas e traumas emocionais e, o máximo que

conseguem enxergar em termos de missão é fazer dela uma agência de filantropia como fim em si mesmo.

Nesta igreja as estruturas, os recursos e os programas não são usados como ferramentas para o evangelismo. Os membros não adotam a postura de missionários, antes se contentam em tratar os interessados como meros “amigos da igreja” não os vendo como alvo final de seu avanço na comunidade onde ela está inserida. Essas igrejas são exacerbadamente cautelosas em transmitir os claros princípios do evangelho. Temem chocar, escandalizar ou afastar as pessoas com sua mensagem, exatamente aquilo que de melhor elas tem para oferecer.

Limitam-se a amenizar, temporariamente, os sofrimentos desta vida quando poderiam ministrar remédio para as enfermidades da alma, atendendo assim, à maior e mais dramática necessidade de todas as pessoas: perdão e salvação através do conhecimento e relacionamento com o Senhor Jesus e Sua Palavra.

Embora o papel social da igreja, sua responsabilidade de amenizar o sofrimento humano, esteja fundamentado nos próprios métodos adotados por Jesus, jamais deveríamos nos limitar a realizar esta obra sem ministrar às pessoas o Pão da Vida (Jo 6.32) que é capaz de salvar todo aquele que se encontra perdido (Jo 3.23). O próprio Cristo realizava as duas tarefas estabelecendo a correta relação de meio e fim entre elas. Seu exemplo precisa ser seguido pelas igrejas que preservarem um adequado senso de missão.

(4) Outro desdobramento será a perda de identidade doutrinaria.  Mal inevitável em um ambiente onde o maior sinal de compromisso é o financiamento de campanhas evangelísticas executadas pelos obreiros de tempo integral.

Nesse contexto, em que a maioria dos membros não se envolve diretamente no evangelismo, perde-se o maior estimulo que se pode ter para a manutenção de um profundo e constante conhecimento das doutrinas que fundamentam tanto a fé como a pregação. Os grandes programas, que passam a ser o foco de tais igrejas, não exigem conhecimento doutrinário e o senso de dependência dos pastores e líderes alcança o nível de levar as pessoas a pensarem que nem precisam estudar a Bíblia por si mesmas, desde que um bom sermão ou lição da escola bíblica lhes seja oferecido a cada culto semanal.

(5) Surgimento de conflitos de maior complexidade. Este desdobramento será inevitável por conta da formalidade e da frieza que marcam os relacionamentos. Os laços são frágeis e os conflitos surgem das mais diversas origens. A própria diversidade típica de uma congregação de membros, que deveria ser celebrada como uma bênção, torna-se um fator desencadeador de conflitos.

(6) Enfraquecimento do compromisso da fidelidade financeira. Membros de igrejas focadas em ministérios restritos a um pequeno grupo de lideres como o antigo clero, tendem a arrefecer sua disposição para manter, a longo prazo, tais estruturas. Nota-se, uma tendência para retirar o apoio financeiro a um sistema que exclui o próprio apoiador. O membro se ressente desse modelo e mesmo em desacordo com a revelação, busca outros meios de “investir seus recursos” ainda que estes sejam dízimos e ofertas.

(7) Falta de identificação e desconsideração em relação à liderança estabelecida será a colheita certa de um sistema que mantém os líderes em certa distância dos liderados. Essa distância pode se manifestar de outras formas além da geográfica: pode ser funcional, relacional ou espiritual. Nesse contexto o programa de discipulado estará comprometido, pois se espera que entre discípulo e discipulador haja, no mínimo, boa e consistente convivência.

(8) Os dons espirituais serão ignorados no seio da igreja clericalizada e catedralizada. De um modo geral esta igreja não se voltará para orientar seus ministérios em harmonia com o conjunto de dons que pode ser percebido nela. Diferente da experiência da igreja primitiva e em franco contraste com a recomendação do apóstolo Paulo (I Co 12.1 e 14.1) não haverá um movimento em direção à descoberta dos dons espirituais e ministérios relacionados com os dons não serão fomentados, o que provocará grande prejuízo para todo o corpo de membros.

(09) Apostasia. A evasão de membros ou o “movimento da porta dos fundos” tem sido a grande preocupação dos líderes eclesiásticos modernos.  Não há mais dúvida de que o ambiente das grandes congregações, quase antagônico aos fortes laços relacionais, e a limitação do exercício dos ministérios a um grupo restrito de supostos especialistas, tem servido como entraves impedindo que a “porta dos fundos” seja fechada.

 

Membro da sacada X membro da calçada

Duas classes de membros são notadas neste ambiente: o membro da sacada e o membro da calçada. O primeiro é aquele que apenas observa, se prostra em uma posição estratégica, sua zona de conforto, de onde pode contemplar as pessoas que se movimentam no seio da igreja. Dali ele pode ver o modo como cada membro opera no exercício de seus ministérios. Consegue registrar os tropeços e equívocos de todos. Este membro é crítico, atento aos erros e quase nunca se expõe. Não desce à calçada onde os serviços estão sendo executados, onde as pessoas estão se expondo ao sol e aos riscos do ministério.

Os membros da calçada estão trabalhando, servindo, errando e acertando. Estão exercendo seus ministérios, ou seja, crescendo. Estes dois grupos despontarão no mesmo ambiente e ficará claro quem é o joio e quem é o trigo. Quem será chamado servo bom e fiel e quem será rechaçado como mau administrador dos talentos a ele confiados pelo Senhor.

 

Membro consumidor X membro servidor

Outra figura que retrata o membro subproduto de igrejas catedralizadas e clericalizadas é o membro consumidor em detrimento do membro servidor. O primeiro tipo de membro consome tudo o que uma igreja pode oferecer, desde a água até a energia dos líderes dos quais ele é dependente; especialmente o pastor que precisa visitá-lo sucessivas vezes para evitar que sucumba. O membro consumidor é o oposto do membro discípulo servidor. Ele não está para servir, mas para ser servido. Ele escolhe, para assistir, a igreja que melhor pode atender às suas necessidades e da sua família, e não aquela que tem necessidades para que ele as atenda. Ele vê a igreja como um shopping de ofertas e vive em um ambiente eclesiástico de consumo. Dessa experiência todo consciencioso filho de Deus deveria fugir.

O membro discípulo é aquele que busca seu lugar no corpo de Cristo. Sabe que existem necessidades que precisam ser atendidas e foca sua atuação em oferecer subsídios para tal atendimento. Ele é desinteressado, desprendido, tem senso de missão e de urgência e sabe que tudo que dispõe: talentos, recursos, influencia, devem ser devotados à causa do Mestre. Sua vida é marcada pela dedicada aplicação de seus dons espirituais  em ministérios prolíferos.

 

Uma ameaça à porta

Ameaças assim campeiam as mais diversas igrejas ao redor do mundo, e tudo indica que estão batendo à nossa porta (se é que em algumas de nossas igrejas, ainda não entraram), contudo é necessário lembrar que Deus tem um plano especial pra o seu povo nestes últimos dias.

Não tem Deus uma igreja viva? Ele tem uma igreja, mas esta é a igreja militante, e não a igreja triunfante. Entristecemo-nos de que haja membros defeituosos, de que haja joio no meio do trigo. … Embora existam males na igreja, e tenham de existir até ao fim do mundo, a igreja destes últimos dias há de ser a luz do mundo poluído e desmoralizado pelo pecado. A igreja, débil e defeituosa, precisando ser repreendida, advertida e aconselhada, é o único objeto na Terra ao qual Cristo confere Sua suprema consideração.[1]

Esta igreja que vai brilhar em meio às trevas deste mundo precisa se voltar para a direção que o Espírito Santo está indicando para ela. Precisa atuar em harmonia com a designação do Espírito se quiser receber Seu poder para triunfar. Ela não pode mais atuar à revelia da capacitação do Espírito mediante os dons espirituais, tem que se submeter a Ele não apenas no aspecto espiritual, mas também no funcional.

 

O antídoto ou a cura

Antídoto, antídoto, antídoto! É o clamor natural depois da descrição de ameaças de tamanha proporção. Infelizmente não estamos falando de ficção, mas de fatos, e se há antídoto ou cura para tal estado de coisas serão encontrados no caminho de volta às práticas da igreja primitiva, tais como: (1) Pequenos grupos relacionais; (2) Ministérios de todos os crentes; (3) Discipulado (4) Programa consistente sobre dons espirituais; (5) Atuação pastoral voltada para a capacitação dos membros; (6) Evangelismo pessoal e público; (7) Foco na missão; (8) Ênfase na fidelidade, entre outros.

Neste livro ofereceremos algumas alternativas para enfrentar os desafios da igreja contemporânea, esperando e crendo que o estabelecimento de ministérios orientados segundo os dons dos membros, respeitando a capacitação do Espírito, mobilizará a igreja para o cumprimento de sua missão na terra e ao triunfo final em favor do estabelecimento do reino de Deus.

 

 


 

Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 208), 92.
CD-ROM - Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 250, 346, 347, 1009. 
Ellen G. White, 91, 92.
Isabel e Daniel Rode, Crescimento: Chaves Para Revolucionar Sua Igreja (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007), 22.
Ellen G. White, 593.
William A. Beckham, A Segunda Reforma (Curitiba: Ministério Igreja em Células no Brasil, 2007), 129.
Idem, 12.
Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica (Rio de Janeiro: CPAD, 1999), 76.
David Cox, Pense em Grande Pense em Grupos Pequenos (Almargem do Biso, Portugal: Publicadora Atlantico S.A., 2000), 14.
Isabel e Daniel Rode, 66.
David Cox, 49.
Russell Burrill, Como Reavivar a Igreja do Século 21 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), 104.
Beckham, 129.
David Cox, 14
David Cox, 36.
Isabel e Daniel Rode, 24.
O esforço não é no sentido critico, estamos identificando um seguimento de membros que têm migrado para a igreja como resultado de programas evangelísticos incompletos do ponto de vista do discipulado, além do despreparo de igrejas e membros antigos para lhes transmitir o correto senso de missão que todo cristão deveria ter.
Russell Burrill, 14.
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Willaim Wright

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